Luís Nassif |
Nos anos 80, o grande salto da Folha
de S.Paulo foi ter se tornado o contraponto à Globo. A visão empresarial –
jamais ideológica – de Octávio Frias percebeu o novo público que se formava,
adepto das eleições diretas, adversário da burocracia, simpático aos novos
costumes sociais, e apostou no novo. Com essa estratégia, a Folha tirou uma
geração de leitores do Estadão e se tornou o maior jornal brasileiro.
Hoje em dia, as comunicações
globais estão submetidas ao mais violento processo de mudanças da história.
Havia duas estratégias de sobrevivência
a serem seguidas pelos grupos midiáticos nacionais. Uma delas, seria o da
diferenciação em relação ao líder – a Globo. A segunda, seria a de seguir o
líder.
Os três grupos nacionais – Folha,
Estadão e Abril – optaram por seguir o líder. Quando homogeneíza-se o produto
leva vantagem quem dispõe de maior poder de distribuição. No caso, as
Organizações Globo.
Piscina semivazia
A novela seguiu as seguintes
etapas.
Primeiro, um pacto midiático
tendo como modelo Rupert Murdoch e sua Fox News. Murdoch entendeu o avanço
inexorável das redes sociais e resolveu levar a batalha para o campo político,
ainda sob domínio dos grandes grupos de mídia. Valeu-se, para tanto, de
ferramentas tão antigas quanto o jornalismo: a exploração do medo supersticioso
do “inimigo externo”, um enredo em que se cobre os adversários políticos com a
mesma vestimenta que a dramaturgia utiliza para personagens ancestrais, como o
vampiro, o lobisomem, as forças do mal.
O pacto matou a competição e, sem
ela, nenhum veículo pode se aproveitar da enorme massa de leitores que se
sentiram órfãos de mídia.
Os grandes grupos aliados tinham
dois adversários pela frente: as grandes redes sociais e as emissoras de
televisão, em decadência, mas ainda assim abocanhando a maior parte do bolo
publicitário. Mas à frente escolheu como adversários ora dois velhinhos em
final de vida (Fidel e Raul Castro), ora o presidente de uma nação irrelevante
(Hugo Chávez, da Venezuela). E, no campo da mídia, blogs independentes e mídia
regional, com acesso a fatias ínfimas do bolo publicitário federal.
As enormes pressões feitas sobre
a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República, para que não
ampliasse os canais de mídia, resultou na estratificação de todo o mercado
publicitário. Mesmo com a queda de audiência das TVs e com o avanço exponencial
do uso da Internet, as verbas mantiveram-se pesadamente concentradas no meio
televisão, especialmente na TV Globo – que hoje em dia controla 60% das verbas
publicitárias do país.
Agora, a realidade econômica se
impõe. Jornais e revistas pulam, então, para a piscina da internet. Mas ela
está semivazia, porque, devido à sua própria pressão, a publicidade tradicional
não rumou para a internet – como em todas as demais economias desenvolvidas do
planeta.
***
A internet e o fim do pensamento
único
L.N. (3/5/2013)
A principal mudança trazida pela
Internet no modo de produção jornalística é a interatividade – ou seja, a
possibilidade do leitor-comentarista participar da construção do conhecimento.
Ontem [quinta-feira, 2/5] escrevi um texto sobre a competência do Globo. No
blog, o leitor Jorge Vieira colocou comentário inteligente, completando o
raciocínio. Diz ele que faltou à Globo visão estratégica e de futuro para
consolidar uma relação permanente com seu público.
São dois os pontos de crítica:
“Um monopólio de fato nessa área,
perseguindo permanentemente o poder político, produz, no médio e no longo
prazo, um gigante de pés de barro, cercado de ameaças por todos os lados”.
A segunda, decorrente da
primeira, se prende ao fato de não diversificar os pontos de vista sobre os
principais temas.
“De repente, por exemplo, ocorre
um crime cometido por um menor de 18 anos que choca a todos e, aí, você vê por
vários dias notícias veiculadas de crimes cometidos por menores de idade até a
onda passar. Você percebe que vem uma ordem da direção: a hora é de demonizar
os menores infratores”.
“A economia, como se sabe, é área
da ação humana em que não se pode atingir todos os indicadores de desempenho
positivos ao mesmo tempo. Há sempre a possibilidade de ocorrer o sacrifício de
alguns para favorecer outros ou vice-versa. E neste jogo, eles estão sempre com
a possibilidade de responsabilizar os governos pelo mau desempenho dos
indicadores sacrificados”.
Esfinge a decifrar
No fundo, a crítica central de
Vieira é a contraposição entre a diversidade de opiniões, pela Internet, e a
homogeneização da opinião pela Globo. O que se passa por lá, no entanto, é
problema comum aos grandes grupos de comunicação, quando se viram confrontados
com a realidade da internet.
As redes sociais, o acesso amplo
e irrestrito a um mundo de opiniões diversificadas, está produzindo um novo
cidadão-leitor, o cidadão conectado. Ele não se conforma mais com o prato
feito.
Tome-se a questão dos menores.
Pela internet é possível colher opiniões contrárias à redução da maioridade
penal e opiniões a favor; opiniões que acham que a imputação penal não refreará
os ímpetos do jovem criminoso; e os que julgam que bastam leis severas para
reduzir a criminalidade.
Independentemente do mérito de
cada um, o leitor conectado terá à sua disposição condimentos dos mais variados
para poder montar o SEU prato, a SUA opinião.
Ao mesmo tempo que estimula o
gregarismo, a Internet abre espaço inédito para as manifestações
individualizadas – de pessoas ou grupos restritos de opinião.
Nenhum partido político, nenhum
veículo de mídia conseguirá administrar essa realidade com a visão antiga, de
condutores de povos. É uma nova realidade que exigirá, cada vez mais, o
exercício permanente da negociação, dos pactos, da mediação.
Não comporta mais o poder
absoluto, nem do Estado nem dos grandes grupos midiáticos, nem dos partidos
políticos, nem das religiões. Quem permanecer na velha moldura se arriscará a
vestir um paletó de madeira menor do que o figurino.
Como conservar o poder, abrindo
mão do direcionamento da informação? Essa é a esfinge que devorará o grupo de
comunicação que não conseguir decifrá-la.
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