
Luiz Cezar |
Acautelem-se os brasileiros do
riso fácil, tipo garoto propaganda de pó fixador para dentaduras, do candidato
do PSDB a presidente da república Aécio Neves.
Não exatamente por aquilo que
seus partidários já fizeram quando no comando do Estado, mas pelo que dizem e
anunciam os economistas que elaboram o programa de governo do senador tucano.
Quanto a isso, ninguém foi até
agora mais claro do que faria o mineiro, se empossado dirigente máximo do País,
que o professor da PUC do Rio e ex-integrante da equipe de Fernando Henrique
Cardoso, Edmar Bacha.
Antecipa-nos o professor que, uma
vez presidente, o mineiro do Leblon acabaria com todas as tarifas e restrições
extra-tarifárias que limitam, inclusive nas compras governamentais, o acesso de
bens importados ao Brasil e deixaria o comércio internacional flutuar ao sabor
da taxa de câmbio. Aquela relação entre o real e o dólar que mostra quão
vantajoso é ou importar ou adquirir um produto produzido dentro das fronteiras
nacionais.
Com isso – julga o sábio liberal
– a indústria se modernizaria e os preços internos cairiam por força da maior
concorrência da produção interna com importados produzidos a custo mais baixo
em economias de maior produtividade que a nossa.
Judicioso com relação às contas
nacionais, prevê uma forte procura por moeda estrangeira para realizar a mare
montante de importações, que poderia ser atenuada por intermédio do
estabelecimento de bandas de flutuação do câmbio, devidamente administradas pelo
governo com a compra e venda de divisas quando fosse necessário.
Também ladino, como só o tucanos
sabem ser, pensa em negociar o leito virginal do mercado doméstico com a
obtenção de reciprocidades para nossas exportações nos países interessados em
aqui aportar suas mercadorias e serviços. Chama isso de terceiro pilar de seu
plano de "modernização" da economia. O segundo seria a flutuação suja
do câmbio (assistida pelo governo) e o primeiro a fixação de uma âncora para os
gastos públicos a fim de tornar inviável qualquer política de estímulo ao
produto nacional.
Faz bico de tico-tico, no
entanto, nosso pensador quanto aos efeitos de seu engenhoso tripé sobre o
emprego de brasileiros. Se dissesse espantaria os incautos eleitores do
candidato tucano, que pela proposta voltariam à fila do desemprego para vender
a força de trabalho ao preço que estivesse disposto a pagar o empresariado
nacional a fim de reagir ao assédio da indústria estrangeira.
Sim, porque rezam os manuais de
economia que o câmbio para dar impulso à produção doméstica tem que estar
apoiado numa forte compressão dos salários, apenas possível na hipótese de
aguda competição pelo emprego entre trabalhadores.
A fórmula sustentada pelo
professor é a mais antipopular possível: escancara-se a economia aos importados
de modo promover-se com isso o desemprego da força de trabalho ocupada na
indústria. A desocupação forçaria, por sua vez, a queda dos salários e dos
preços permitindo assim que se chegue ao almejado sonho de aumentar as
exportações com um câmbio depreciado. Num movimento que faria do Brasil uma
espécie de China às avessas, já que aquela aproveitou a mão de obra barata
egressa do campo para fazer-se industrialmente competitiva enquanto nós
empobreceríamos nossos trabalhadores para retomarmos um ímpeto industrial de
que se diz desvanecido.
Como se percebe, uma proposta de
viabilidade eleitoral duvidosa que só pode ser veiculada com omissões sobre
suas implicações sociais. É preciso por isso mesmo que se avise o quanto antes
à audiência que aplaudiu Aécio Neves na festa de primeiro de maio, promovida
pelos sindicalistas da Força Sindical, que mais uma vez a mágica encenada pelos
liberais no Brasil assenta-se no sacrifício dos trabalhadores e na ampliação
das desigualdades de renda, ditas sempre ardilosamente de curta duração.
Para quem aprecia idéias
repetidas ou mesmo deseja tirar a teima, como se diz no jargão futebolístico,
reproduzimos abaixo o artigo de Edmar Bacha publicado originalmente no jornal
Valor Econômico de 9/05/2013 sob o pomposo título de "economia 2.0"
Economia 2.0por Edmar Bacha
A economia brasileira está
enferma. É isso que nos dizem os pibinhos, a inflação alta e a
desindustrialização. São sintomas da baixa produtividade do país que tem a ver,
entre outros fatores, com o atraso tecnológico, a escala reduzida e a falta de
especialização que caracterizam nossas empresas de um modo geral. É o resultado
do isolamento econômico a que o país se impôs em relação ao comércio
internacional, com exportações que representam apenas 1,4% do total mundial.
Agora que um brasileiro vai dirigir a Organização Mundial do Comércio, é boa
hora de reavaliar essa política de isolamento e promover a integração
competitiva do país à economia internacional.
Minha sugestão para essa
integração é um programa pré-anunciado, sustentado em três pilares: reforma
fiscal, substituição de tarifas por câmbio e acordos comerciais, a serem
implantados de forma integrada e progressiva ao longo de um número de anos.
O objetivo do primeiro pilar, a
reforma fiscal, seria permitir uma redução substantiva da carga tributária
sobre as empresas, sem que isso implique um aumento da já elevada dívida
pública. É atrativa uma fórmula adotada por Israel em 2010: fixar um limite
superior para o crescimento dos gastos públicos igual à metade do crescimento
potencial do PIB, estimado como sendo aquele observado nos últimos dez anos. No
caso brasileiro, isso quer dizer um crescimento dos gastos públicos em termos
reais entre 1,5% e 2% ao ano. Para reduzir o espaço de manobra para
contabilidades criativas que subestimem os aumentos dos gastos (por meio de
orçamentos paralelos, por exemplo), essa meta seria suplementada por limites
também para o crescimento da dívida pública bruta. O detalhamento desse pilar
seria feito a partir de estudo sobre os diversos componentes do gasto público e
sobre as reformas necessárias para manter sua expansão sob controle. O primeiro
pilar contribuiria para diminuir o "custo Brasil", que é o principal
problema com que se defrontam as empresas para enfrentar a concorrência
internacional.
O segundo maior problema é o
câmbio. Esse é o tema do segundo pilar da proposta, a saber, a substituição da
proteção tarifária contra as importações por uma "proteção cambial".
Brevemente, trata-se de anunciar uma redução substancial, a ser implantada de
forma progressiva, das tarifas às importações, dos requisitos de conteúdo
nacional, das preferências para compras governamentais, das amarras aduaneiras
e portuárias e das especificações técnicas de produtos distintas daquelas
adotadas internacionalmente. O anúncio dessas medidas antiprotecionistas
presumivelmente será feito por um(a) presidente convicto(a) de sua necessidade
e com apoio no Congresso para sua implantação, ou seja, será um anúncio crível.
Nesse caso, sob um regime de câmbio flutuante esse anúncio terá o efeito de
desvalorizar o câmbio, pois os agentes financeiros passarão a comprar dólares e
a vender reais, para lucrar com o aumento da demanda de dólares que ocorrerá
para efetuar as importações adicionais que serão facilitadas.
Esse é o pilar central do plano,
pois, dando acesso a insumos modernos, ele possibilitará a integração da
indústria brasileira ao comércio internacional, à semelhança do que hoje ocorre
com a Embraer. Haverá ganhos tecnológicos, de escala e de especialização.
Todavia, é também o pilar mais
controverso. Pois, de um lado, estão economistas, mais confiantes na
racionalidade dos mercados e descrentes da eficácia de controles de capitais,
para quem, desde que haja flutuação livre, o câmbio saberá encontrar seu nível
de equilíbrio. Bastaria, portanto, reduzir a proteção tarifária que o câmbio se
ajustaria automaticamente. De outro lado, estão economistas descrentes da
racionalidade dos mercados financeiros e mais preocupados com os efeitos
nocivos de uma flutuação excessiva do câmbio sobre as decisões empresariais
quanto a investimentos de longo prazo. Esses economistas defenderiam a adoção
de uma taxa de câmbio fixa mais desvalorizada, associada a controles severos
sobre os movimentos de capitais.
Minha preferência é por um meio
termo entre essas duas posições, envolvendo, em primeiro lugar, um estudo sobre
qual seria a taxa de câmbio que equilibraria a balança comercial na ausência
das medidas protecionistas que vão ser eliminadas. Essa seria a taxa de câmbio
de referência para a definição de uma banda de variação cambial. Nos primeiros
tempos, a banda seria mais estreita, mas ela seria progressivamente ampliada ao
longo do tempo. Os limites dessa banda orientariam o Banco Central (BC) em suas
intervenções no mercado, comprando ou vendendo reservas internacionais. Tais
intervenções seriam acompanhadas por medidas macroprudenciais que parecerem
pertinentes ao BC, para compensar os exageros, seja de otimismo ou pessimismo
no mercado de câmbio. Dadas as incertezas envolvidas numa mudança estrutural da
magnitude daquela aqui proposta, tanto a taxa de referência como a banda em
torno dela seriam informação privilegiada do BC que delas daria notícia somente
pelo padrão de intervenções no câmbio.
O terceiro pilar são os acordos
comerciais internacionais. Dado o amplo mercado interno que abrirá às
exportações dos demais países do mundo, o Brasil estará em condições de fazer
negociações vantajosas para a abertura compensatória dos mercados de seus
parceiros comerciais. O leque de possibilidades é amplo, envolvendo acordos
multilaterais, regionais e bilaterais. O certo é que o país necessitará de
liberdade de movimentos e, portanto, se não conseguir agregar a Argentina a
esse projeto, seria o caso de transformar o Mercosul numa área de
livre-comércio, preservados os entendimentos estratégicos em vigor na área da
defesa. Outra questão a ser analisada é o sequenciamento entre a abertura
unilateral e aquela negociada nos acordos. Na definição dessa sequência, não se
poderá perder de vista que a troca das tarifas pelo câmbio é uma vantagem em si
para o país. Os ganhos comerciais que vierem dos acordos serão adicionais
àqueles propiciados por essa política de alocação mais eficiente dos recursos
na economia brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário