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| Enviado por Miguel do Rosário |
Ao esculachar pela enésima vez o
Congresso e os partidos, Joaquim Barbosa garantiu sessões de aplauso em saguões
de aeroporto, no metrô de Ipanema e nos shows da Marisa Monte, além, é claro,
de uma notinha entusiástica no Ancelmo Gois:
“Já se disse que alguns ministros
do STF estão com a matraca solta e falam além da conta. Já se disse que Joaquim
Barbosa fala sempre a coisa certa na hora errada. Mas, neste caso, o presidente
do Supremo tem razão. Um sistema partidário com dezenas de partidos, quase
todos inodoros, insípidos, assexuados, sem ideias ou ideologia, é ou não é de
mentirinha? Cartas para a Redação.”
Após as críticas óbvias que suas
declarações despertaram, seu gabinete tentou um remendo que não ajudou em nada:
para estupefação de professores universitários, Barbosa explicou que falava
enquanto acadêmico. Com isso, ele esculhamba também a Academia.
Só que não existe isso de opinião
acadêmica. Barbosa é presidente do STF,
e não um Homer Simpson resmungando na frente da televisão.
De qualquer forma, a pergunta que
se deve fazer é a seguinte: Barbosa está certo quando afirma que os partidos no
Brasil não tem base programática e ideológica, e que “nós não nos
identificamos” com eles?
A afirmação de Barbosa, na
íntegra é a seguinte:
“Nós temos partidos de
mentirinha. Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no
Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos
brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos
partidos. E nem pouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse
em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder.”
No jantar com o professor
Wanderley Guiherme em que acertamos os últimos detalhes de sua coluna,
conversamos um pouco sobre o assunto, e ele nos lembrou que essa “consistência
ideológica e programática” que Barbosa não vê nos partidos brasileiros não
existe em nenhuma democracia do mundo. Numa democracia moderna, os partidos têm
ideias meio parecidas (investimentos em infra-estrutura, em educação, programas
sociais, etc) sendo às vezes difícil distinguir um do outro quando se atém apenas
ao papel. O eleitor, quando vota no partido, julga-o não por suas promessas ou
programas, e sim por sua prática no poder. A relação entre eleitor e partido
numa democracia é de compromisso político. Se entendo que o partido vai
trabalhar em prol dos interesses da minha classe, eu voto nele.
Quanto à identificação, Barbosa
externou outra falácia. O eleitor brasileiro se identifica sim com os partidos,
tanto que vota seguidamente numa legenda quando é de seu agrado.
O que não tem consistência,
portanto, são os pensamentos de Barbosa, presos aos mais rasteiros clichês da
antipolítica. Por outro lado, não devemos nos enganar quanto ao efeito
multiplicador de suas palavras. Barbosa produziu um factóide, tanto é que
estamos aqui discutindo sua fala. No Congresso, no Senado, na mídia, as
atenções se voltaram novamente para o presidente do Supremo.
Barbosa não apenas fez política,
o que é terminantemente proibido aos juízes; ele pôs mais um tijolo no muro de
preconceito que a imprensa constrói diariamente entre a sociedade e as
instituições.
Para cúmulo da falta de noção,
Barbosa foi mais longe e defendeu o voto distrital, a única bandeira permanente
da revista Veja, por causa do golpe mortal que isso poderia causar à
representação sindical. Os trabalhadores ligados a um sindicato não moram no
mesmo “distrito”, portanto o voto distrital é uma artimanha conservadora para
afundar a única plataforma que a classe trabalhadora possui para eleger seus
representantes e fazer frente ao poder do grande capital.
É triste constatar isso, mas
Barbosa se tornou um representante do mais baixo conservadorismo político. Não
importa se ele votou no Lula, se foi indicado por Lula, temos que julgá-lo por
suas ações. A nomeação de Barbosa é resultado da inexperiência do PT, o que nos
leva a concluir que a ideia de que Lula é muito esperto, etc, é falsa. Se Lula
fosse esperto mesmo, e digo na acepção positiva da palavra, astuto, ele não
indicaria tucanos para chefiar a Procuradoria Geral da República nem escolheria
ministros do Supremo com tanta leviandade. No caso dos ministros, a imprudência
deve ser partilhada com a atual presidente Dilma Rousseff.
O problema do PT não é o
aparelhamento, e sim a falta de aparelhamento. Num processo democrático,
votamos para que o grupo vencedor ocupe efetivamente o Estado. É assim que
acontece em todas as democracias do mundo. No caso da Procuradoria da
República, então, é preciso tomar muito cuidado porque o Ministério Público
brasileiro, pese a sua imensa importância no combate à corrupção e às mazelas
administrativas, tornou-se uma instância politicamente mal resolvida. O MP é o
quê: é um outro tipo de Judiciário? Pertence ao Executivo (como de fato é)? É
uma polícia à parte de todas as outras instituições?
Então voltamos à frase de
Barbosa, sobre o “Executivo dominar o Legislativo”. Além do tom partidário da
frase, já que essa interpretação interessa à oposição, é outra confusão típica
de quem não dispõe de sensibilidade para entender a democracia. O povo tende a
eleger um Executivo e um Legislativo afinados programaticamente. É assim que
funciona. O Executivo não “domina” o Legislativo: ambos estão interligados por
acordos partidários e políticos. Ambos formam um único ser entendido como a
soberania popular.


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