Dependentes químicos se concentram em terreno baldio na região da Luz, antes da instalação do Cratod |
Benefício de R$ 1.350 por mês
afeta tratamento humanizado e é visto como uso do desespero das famílias para
política duvidosa que pode resultar em manipulação e transformar dependência em
mercado
por Rodrigo Gomes |
São Paulo – Militantes e
especialistas em saúde mental consideram um novo retrocesso contra o tratamento
humanizado a proposta do governo Geraldo Alckmin (PSDB) de conceder bolsas no
valor de R$ 1.350 mensais, exclusivas para custeio do tratamento de dependentes
químicos em comunidades terapêuticas privadas. Para os entrevistados, a
proposta é obscura e pode fomentar um mercado de tratamento da dependência
química, além de servir a interesses políticos. O Cartão Recomeço, que já está
sendo chamado de “bolsa-crack”, será lançado oficialmente amanhã (9) pelo
governo estadual.
O benefício será concedido por um
período de seis meses e deverá estar disponível em 60 dias. Não será possível
sacar o benefício e o cartão será aceito apenas em entidades cadastradas. A
proposta inicial é atender a 3 mil dependentes químicos maiores de 18 anos, que
não conseguem atendimento devido à falta de leitos e equipamentos ocorrida após
o início dos trabalhos do Centro de Referência em Álcool e Drogas (Cratod), em
janeiro deste ano. Segundo a Secretaria de Assistência Social, as entidades
serão escolhidas por capacidade técnica e regularidade de funcionamento, cujos
parâmetros serão definidos em edital que será lançado nos próximos dias.
O conselheiro administrativo do
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Joari Carvalho, chama atenção
para a falta de clareza da proposta. “Não se sabe nada além do fato de que
haverá um auxílio financeiro. Quais serão as diretrizes de tratamento? Quais
serão os critérios para selecionar as entidades e os pacientes? No início do
ano não havia verba destinada para isso no orçamento. E agora surgiu como
política do governo estadual”, analisa. Ele afirmou, também, que os conselhos
estaduais de saúde e políticas sobre drogas não foram consultados sobre a
proposta.
Carvalho teme a manipulação das
pessoas para benefício de grupos políticos. “Está se usando o clamor social e o
desespero das famílias para estabelecer uma ação duvidosa, tanto no tratamento
como na questão do controle social e da fiscalização do dinheiro que será
aplicado. Já existem denúncias, Brasil afora, da associação destas entidades a
parlamentares que defendem a internação compulsória”, pondera. E questiona o
direcionamento de recursos para instituições privadas. “Temos políticas
públicas para atender a população com problemas de dependência química. No
entanto, elas não têm recebido investimento adequado. Mas dinheiro, nota-se que
tem”, pondera.
O presidente do Sindicato dos
Psicólogos do Estado de São Paulo, Rogério Giannini, avalia que a proposta é
mais um passo atrás em um trajeto iniciado com as internações compulsórias. “É
uma prática manicomial. No geral, essas comunidades não contam com atenção
clínica ou grupos multidisciplinares, que é um princípio básico de atendimento
estabelecido no âmbito do Sistema Único de Sáude (SUS). É simplesmente o
isolamento e a abstinência forçados”, afirma. Segundo Giannini, existem muitas
denúncias sobre trabalho forçado, práticas de esgotamento, como ocupação
contínua e horários extasiantes, relacionadas a tais comunidades.
Giannini defende o fortalecimento
de ações preconizadas no SUS, como atendimento multidisciplinar, Centros de
Atenção Psicossocial (Caps), hospitais-dia, entre outros. Além disso, explica
que o isolamento não deveria ser estimulado, pois “questões psíquicas e de
drogadição são sociais e não individuais”. E faz um alerta: “Instituir a bolsa
pode incentivar as famílias a buscar a internação, como se fosse a única
solução, fazendo com que o tratamento se torne um mercado, desestimulando ainda
mais o desenvolvimento de políticas públicas”, avalia.
Para eles, há uma tentativa de
confundir a comunidade terapêutica com a residência terapêutica. “As
residências terapêuticas são utilizadas somente em casos extremos e propõe
socialização, grupos de trabalho multidisciplinar, redução de danos e prática
autogestionária que traz o dependente para o centro do tratamento, como parte
dele.” Por outro lado, as comunidades “propõem um tratamento religioso, baseado
em orações e ocupação contínua, onde a participação de profissionais de saúde
não é aceita”. Ambos concordam que o problema não é a existência das
comunidades, mas o direcionamento de verba pública para fomentar o tratamento
privado e sem relação com o SUS.
O governo estadual informou que a
iniciativa busca ampliar os locais de tratamento e a oferta de vagas para os
dependentes químicos. O programa será gerido por um grupo de trabalho
coordenado pelo professor titular do departamento de Psiquiatria da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ronaldo Laranjeira. Nesta primeira
fase, a gestão Alckmin vai cadastrar entidades que prestam serviço de
internação em 11 municípios: Diadema, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do
Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, São José dos Campos, Osasco,
Santos e Mogi das Cruzes.
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