CQC usou criança para agredir Genoino; ele ignorou por completo a violência recebida e foi extremamente atencioso com ela
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Patrick Mariano |
É o que se lê em matéria do jornal Brasil de Fato:
O afogamento simulado de um preso
“é legal porque os advogados dizem que é legal. Não sou advogado”, disse Bush
em novembro de 2010, ao ser entrevistado pelo jornalista Matt Lauer. “Claro que
o faria”, respondeu o ex-presidente ao ser perguntado se voltaria a tomar a
mesma decisão.
Márcio Sotelo Felippe, em
brilhante artigo publicado neste Viomundo, expôs os dilemas éticos e morais da
atual sociedade, ao analisar a tentativa de se justificar a prática da tortura
por parte de articulista de um jornal de um grande conglomerado de comunicação.
A tortura torna-se, assim, com
uma contribuição aqui, outra ali, senso comum para uma parte do universo social
e ganha a força tremenda da convencionalidade. Para uma outra parte, desliza
para uma mera questão de ponto de vista. Você pode ser a favor ou contra a
tortura do mesmo modo como é, digamos, a favor ou contra o parlamentarismo. Um
tortura para salvar bebês. Outro, como agente do Estado, para defender a
sociedade dos criminosos. Comentaristas de internet, após ler o artigo de
Caligaris, assistir Tropa de Elite ou o filme de Bigelow se veem legitimados
para escrever pérolas como “bandido bom é bandido morto” e “direitos humanos
são para humanos direitos”.
Voltemos à frase do título.
Anteontem, 25.03.13, em cadeia nacional de televisão e não em uma sala obscura
do DOPS ou de Guantánamo, ela foi proferida por um jornalista/humorista.
O escárnio e desrespeito à
dignidade da pessoa humana praticado por alguns programas de TV – que se dizem
misto de jornalismo e humor – ultrapassou todos os limites éticos com a
“matéria” que veio ao ar ontem, realizada na Câmara Federal e com intenção de
agredir o deputado José Genoíno.
Pinçaremos algumas frases ditas
pelo jornalista/humorista. Avisamos, desde já, que é preciso estômago para
continuar a leitura.
“Feliciano na Comissão de
Direitos Humanos, Genoíno na CCJ, chegou a hora de pegar o goleiro Bruno e
colocar pra ministro do esporte, vai (…) ou botar o Nardoni pra vara da
infância”.
O períplo “justiceiro” pelos
tapetes da Câmara continua em ritmo de passo apressado, permeado por tiros
certeiros de infâmia:
“Ô Genoino, quanto tempo a gente
tá querendo te procurar, como é que está o senhor? Você veio aqui se esconder
porque lá na prisão é pior? Aqui tem mais bandido, é mais fácil? Tá fazendo voto de silêncio, Genoino? Vai ser
bom na prisão lá, além de X9 não se ferra, né? (…) A gente estava atrás de você
o tempo todo, Genoino, fala com a gente um pouquinho, só dá um tchau”.
Atingindo o ápice da cretinice,
arremata:
“Genoino, você vai passar onde o
reveillon? Na papuda? Já sabe como é que vai ser? Qual prisão?”
Depois do constrangimento causado
o repórter/humorista tenta justificar o ato de agressão dizendo que:
“como vocês puderam notar, mais
uma vez o deputado Genoino não respondeu às perguntas do CQC o que ele tem
feito constantemente com a imprensa nacional. A gente quer ouvir umas
respostas, a população brasileira também quer”.
Pronto, a palavra mágica de estar
agindo em nome do povo serve de véu para encobrir as nódoas de um péssimo
jornalismo e de um humor sem graça alguma.
O programa ataca o deputado
Genoino em razão de uma condenação evidentemente política que sequer transitou
em julgado, mas não vê problema ético em se utilizar e obrigar uma criança a
mentir, se dizendo filho de um militante petista, com intenção de enganar o
parlamentar, para que ele profira algumas palavras sobre o seu processo.
Ao final, na bancada principal, –
em que tomam assento os principais jornalistas/humoristas do programa – a
infâmia não cessa. Ao contrário, se aprofunda com os risos sobre um “presente”
que o programa oferece ao deputado: um livro sobre presídio com um fundo falso
em que se esconde um celular (!).
A matéria toda é desrespeitosa
não só para com o deputado, como também,
aos parlamentares em geral. Busca-se, com isso, desacreditar o
parlamento brasileiro com a tentativa de consolidação de um estereótipo de que
todos os deputados e senadores que o compõem sejam ladrões, burros e não
trabalhem.
O ataque é seletivo e
premeditado. Não se vê matérias deste tipo de programa no Poder Judiciário. Não
se vê matérias desses programas na FIESP ou FEBRABAN. O que se quer é por de
joelhos o Congresso Nacional para que não se aprove leis que contrariem os
interesses ideológicos dos grandes meios de comunicação.
Daí que o alvo seja sempre os
parlamentares, ora com perguntas estultas para expô-los ao ridículo, ora com
agressões e violências como as praticadas contra José Genoino.
Ninguém, sendo deputado ou não,
está obrigado a dar entrevista a quem quer que seja. Isto deve ser respeitado.
No entanto, sequer se tratava de uma entrevista, tendo em vista a virulência,
desrespeito e impropriedades das perguntas lançadas pelo repórter/humorista.
A real intenção do
jornalista/humorista, se é que é capaz de encontrar alguma racionalidade em seu
ato, talvez fosse a de ser agredido e, assim, alcançar o estrelato de muitos
minutos de fama na grande mídia. O deputado, no entanto, com toda sua dignidade,
não passou recibo. Ignorou por completo a violência recebida e foi extremamente
atencioso com a criança.
Em muitos casos, o híbrido
humor/jornalismo é um salvo conduto para se ferir a dignidade das pessoas. Se
por acaso precisam de credencial para entrar em lugares que se fazem presentes
jornalistas, dizem que o são. Quando extrapolam qualquer limite ético para seu
exercício, se dizem humoristas. E assim se vai levando.
No caso da matéria aqui
analisada, não se tratou de jornalismo, sequer de humor. Não existe graça na
violência gratuita. Poderíamos nominar como sadismo, mas não existe almoço
grátis, estamos diante de uma estratégia política deliberada e colocada em
curso há algum tempo.
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