Amorim: “Eu sou vítima de um processo que usa a Justiça como censura”
A Justiça é usada como
instrumento de censura contra os jornalistas? Há realmente liberdade de
imprensa e expressão no Brasil? É necessária a criação de um marco regulatório nas comunicações? Para
responder essas e outras perguntas, Unidade ouviu os jornalistas e “blogueiros
sujos” Paulo Henrique Amorim, Lino Bocchini e também o jurista Fábio Konder
Comparato. Leia o que eles têm a dizer sobre a Comunicação no país.
![]() |
Lino Bocchini |
Paulo Henrique Amorim - Eu não
diria que eu sou vítima da Justiça. Eu sou vítima de um processo que utiliza a
Justiça para nos censurar. Não a mim apenas, evidentemente. Temos exemplos
múltiplos, desde o Lúcio Flávio no Pará, o Esmael Morais no Paraná, aqui em São
Paulo tem o Mino Carta, o Rubens Glasberg, o Luiz Carlos Azenha, o Luiz Nassif,
o Rodrigo Vianna, o Juca Kfouri, que não é exatamente um blogueiro sujo, mas
sofreu e sofre cerca de 50 processos movidos pelo Ricardo Teixeira.
Unidade – Então, a Justiça acaba
servindo aos interesses dos barões da mídia?
PHA - O que aconteceu
historicamente, em minha opinião, é que estamos participando de dois fenômenos
simultâneos. O primeiro fenômeno é que houve uma cooptação completa pela Casa
Grande. Casa Grande com C maiúsculo, G maiúsculo, na concepção do Mino Carta.
Não a Casa Grande do Gilberto Freire, mas a Casa Grande da elite brasileira que
hoje fica mais no Jardim Europa do que no Engenho, não é? Mas a Casa Grande
cooptou a imprensa. A imprensa, que no meu blog eu chamo de PIG (Partido da
Imprensa Golpista), foi completamente devorada pelos interesses da Casa Grande
e nada mais é do que a expressão dos interesses políticos, culturais e
filosóficos da Casa Grande. Esse é um primeiro fenômeno.
Unidade – Esse fenômeno tem a ver
com o fim da Lei de Imprensa?
PHA - Um fenômeno mais
circunstancial, digamos mais conjuntural, é que houve aqui no Brasil uma medida
que à primeira vista foi muito progressista que foi o fim da Lei de Imprensa.
Ela foi promulgada pelos militares com objetivos restritivos e, quando acabou a
Lei de Imprensa, não ficou nada embaixo, não ficou nada que protegesse os
jornalistas. Porque mal ou bem, essa Lei era, como diria aquele famoso
presidente do Corinthians, uma faca de dois legumes: ela prejudicava a
imprensa, mas também a beneficiava. Agora, não tem nada embaixo. E é muito
fácil hoje você chegar até a Justiça e dizer que está sendo vítima de uma
ofensa moral. Acontece que lá no Supremo, ao julgar a Lei de Imprensa, já foi
estabelecida uma jurisprudência que é: não há limite ou restrição à liberdade
de expressão. Então, até você provar que houve uma ofensa moral, no caso de uma
figura pública, você terá que rasgar a Constituição várias vezes. O problema é
que até nós, jornalistas e blogueiros, chegarmos até o Supremo, a gente vai
gastar muito tempo e muito dinheiro. Então, qual é a tática, por exemplo, do
Daniel Dantas, que move contra mim duas dezenas de ações? É me calar pelo bolso,
porque a estratégia dele não é reparar um direito. Ele não está interessado em
reparar um direito, em se ressarcir de uma ofensa grave. Para ele, o processo é
o fim em si mesmo, a ação na Justiça é o objetivo em si mesmo. Quer dizer, ao
me acionar, ele imagina que vou me depauperar financeiramente, vou desistir e
parar de falar dele. Ele já percebeu que isso não vai acontecer, porque eu
estou falando dele há dez anos e tenho dinheiro para ir até o Supremo. Eu,
felizmente, fiz uma carreira no jornalismo bem sucedida por que o salário de
televisão é maior do que o da imprensa escrita. Eu fiz, modestamente, uma
carreira que me permitiu uma boa remuneração. Eu soube aplicar o meu dinheiro.
Então, não há o menor problema. Eu vou ao Supremo cinquenta vezes. Agora, eu me
pergunto, quantos jornalistas no Brasil podem fazer isso?
Unidade - O jurista Fábio Konder
Comparato perdeu uma batalha na Justiça contra a Folha de S. Paulo. E o Daniel
Dantas, que move dezenas de processos contra você, tem boas relações no Judiciário.
Como você, jornalista, vai enfrentá-lo?
PHA - Eu tenho certeza e a minha
própria vida nessa batalha na Justiça demonstra isso, que eu sou muito mais
vitorioso do que perdedor. Tenho certeza de que a Justiça se faz e se fará. O
problema é chegar até o fim. O problema é chegar até o final da Copa do Mundo,
tantas são as etapas anteriores. E o que a gente assiste hoje é a tentativa de
sufocar por esse desenrolar sufocante de etapas, etapas e etapas. Quantas e
quantas vezes eu já fui ao Fórum da Barra Funda. Eu já sou íntimo dos
funcionários do Jecrim, que é o Juizado Especial Criminal. Eu sou íntimo, nos
tratamos de você, contamos piadas uns para os outros, de tantas vezes que eu
fui até lá. Tem gente que sofre quando fica ao lado de um algemado no Jecrim.
Para mim isso é normal. Faz parte da minha rotina de jornalista. O meu país,
lamentavelmente, criou as condições institucionais para que nós jornalistas
sejamos tratados assim. Agora, paciência, eu vou lutar nessa batalha.
Unidade – O fim da lei de
Imprensa teve quais efeitos para a sociedade brasileira?
PHA - Existe um vácuo legal que é
o que acontece nas instâncias inferiores até você aplicar a jurisprudência que
foi estabelecida na hora em que acabou a Lei de Imprensa. Acabou a Lei porque o
ministro Ayres Britto e um dos votantes, o voto mais eloquente, que foi o
ministro Celso de Melo, disseram que não há restrição à liberdade de expressão.
Aquela que é garantida pela Constituição, entretanto, acabou. Agora, até os
juízes intermediários chegarem a essa decisão e, muitos deles, submetidos às pressões
que homens como o Daniel Dantas são capazes de fazer, para quem o processo é o
fim e não a reparação da injustiça, até que isso se resolva, nós somos a
primeira geração de jornalistas que teremos que enfrentar essas coisas e nós
vamos enfrentar.
Unidade - Aparentemente, os
jornalistas estão indefesos, não possuem mais nenhuma salvaguarda. Não
conseguiram formar o Conselho Federal de Jornalismo, não existe um marco
regulatório na comunicação, a sociedade não tem controle sobre as informações
que recebe. Como fazer para mudar este quadro?
PHA - Nós temos que disputar em
todos os fóruns, em todos os capítulos. Temos que aproveitar todas as chances e
uma dessas janelas que nós temos para enfrentar esses ataques à liberdade de
expressão é o nosso próprio blog. É dar divulgação a essa batalha. Precisamos
informar a opinião pública. Eu, particularmente, sou visado porque eu fui
cercado pelo que eu chamo de o sistema planetário que tem o Daniel Dantas como
um sol. É um conjunto em que ele é o ponto de referência, ele é o mastro do
circo e tem vários picadeiros. Todos os artistas que trabalham nesses
picadeiros entraram em ação contra mim, mas eu não tenho a menor dúvida de que
ele é o mastro. Ele é o mestre de cerimônias e talvez seja o tesoureiro,
entendeu? Então, meu caso é muito peculiar. Mas, não tem problema, porque eu
estou agora para fazer e eu vou processar o Daniel Dantas por abuso de usar o
Direito. Todo mundo tem o direito de recorrer à Justiça para se defender
daquilo que considera um direito ameaçado. Ele, ao me processar 20 vezes, está
abusando do direito que o Direito confere e ele vai pagar caro por isso. Estou
esperando ele na esquina. Quando ele completou um número significativo de ações
contra mim e quando ele entrou no crime também, aqui em São Paulo. Completo
esse quadro, essa estante de processos judiciais que configuram um excesso, um
abuso de um direito que cada cidadão tem, ele será processado e terá que me
ressarcir do dano financeiro que eu tive e o dano moral que eu passei quando estava
lá no meu trabalho, na Record, como jornalista e fui interrompido com a chegada
de dois seguranças e um oficial de Justiça como se eu fosse um traficante de
cocaína. Entendeu? Isso tem um custo.
Unidade - Você foi recentemente
condenado em primeira instância em uma ação movida pelo Ali Kamel, o todo
poderoso diretor da Rede Globo. Como você
analisa esta pendência judicial?
PHA - Essa questão é a seguinte:
o Ali Kamel me processa várias vezes porque eu critiquei aquele livro que ele
escreveu, "Nós não somos racistas". Eu disse, repito e repetirei,
inclusive no Supremo Tribunal Federal, que aquele livro leva água para o moinho
do racismo, joga lenha na fogueira do racismo. Porque aquele livro é um dos
centros ideológicos, uma das matrizes filosóficas do pensamento racista ao
delegar, ao subtrair a maldita herança da escravidão que está aqui até hoje no
Morro do Alemão, na Rocinha, Paraisópolis, Heliópolis, na USP. Entre na USP e vá à Poli e você vai ver o
legado da escravidão, entendeu? E o seu Ali Kamel escreveu um livro para dizer
que no Brasil a maioria não é negra, que a maioria é de pardos e como não há
negros, não precisa de cota. E ele é o ideólogo contra o Bolsa Família. A
matriz do pensamento conservador do Brasil contra o Bolsa Família está nas páginas
de O Globo em artigos assinados pelo Ali Kamel. Então, eu direi até o fim dos
meus dias que o senhor Ali Kamel é um dos esteios mais sólidos do pensamento
racista brasileiro. Aí ele ficou chateado. Então fica essa batalha,. Ele ganha
uma, eu ganho outra, ele ganha mais uma e eu outra. Ele ganhou uma agora, mas
ganhou uma etapa. São 18 processos. Eu já ganhei 15.
Unidade - Como você mesmo disse,
é necessário ir até o final nesses processos. Mas o que você diria a
jornalistas que não têm a mesma condição?
PHA - Nós temos que encontrar
mecanismos dentro do Sindicato, dentro do Instituto Barão de Itararé.
Precisamos criar mecanismos que dêem apoio a esses blogueiros sem condições de
ir até o Supremo. Nós temos que fazer isso através das OABs. Veja bem: esse é o
início da batalha. Agora que está começando. Por acaso eu sou pioneiro nisso,
como o Nassif foi pioneiro, como o Mino Carta. O Mino responde a dez processos
do Daniel Dantas. Somos pioneiros nisso, então temos que criar os mecanismos
institucionais dentro das nossas próprias instituições, seja no Sindicato, seja
na OAB e defender o Lino, por exemplo, até ele ter força para chegar lá. Porque
é isso que eles querem. É isso que a Folha quer: sufocar o Lino no começo do
campeonato. Entendeu? Na primeira rodada, porque ela sabe que quando chegar lá
na final no Morumbi, renovado, a gente ganha. Então tem que matar antes. Até se
firmar uma jurisprudência que vá descendo os escaninhos da Justiça e chegue às
primeiras instâncias do Brasil inteiro, entendeu?
Unidade – Qual a sua concepção de
liberdade de expressão ou liberdade de imprensa. Como você analisa este tema?
PHA - O ministro Ayres Britto, ao
sair da presidência do STF, criou no Conselho Nacional de Justiça, um fórum
para elucidar os juízes de primeira instância sobre a questão da liberdade de
imprensa. E ele cometeu três erros. Primeiro, ele usou a expressão liberdade de
imprensa e, como diz o professor Vinícius Lima, o mais importante é a liberdade
de expressão. A liberdade de imprensa é uma expressão ligada ao direito
empresarial, comercial, industrial de imprimir. A liberdade de expressão é um
direito do cidadão que vem desde a Revolução Francesa. O ministro não misturou
estes conceitos por acaso e por quê? Porque ele fez com que esse fórum tivesse
representantes de fora de duas instituições. Ele não chamou o Guto (José
Augusto Camargo, presidente do SJSP), não quis saber do Guto. Ele chamou a
Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) que é
controlada pela Globo e a ANJ (Associação Nacional de Jornais) controlada pelo
o Globo. Então, vai ser um fórum dentro do Conselho Nacional de Justiça com os
membros do Conselho Nacional de Justiça, um representante da Globo, que deve
ser o Ali Kamel e outro representante de o Globo que deve ser o Merval Pereira.
Isso que ele fez.Agora nós, do Barão de Itararé, através do nosso presidente
pró-tempori, Altamiro Borges, estamos batendo na porta com a ajuda do nosso
advogado Joaquim Palhares, dizendo: "Queremos sentar aí. Queremos sentar
aqui, queremos discutir aqui com o Ali Kamel e com o Merval". Porque só
eles dois podem participar desse fórum? Porque esses dois aí, a ANJ e a Abert
querem que nós, blogueiros sujos, façamos parte daquele conjunto de pessoas que
foram queimadas nas fogueiras da Inquisição. É isso. Nós temos que ter fôlego e
temos que criar os mecanismos dentro dos nossos próprios fóruns para poder
enfrentar essa batalha, porque o objetivo deles é nos matar no início.
* Lino Bocchini: Editor de mídia on-line da @cartacapital
* Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São
Paulo, edição de março/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário