Reunidos ontem à noite na sede do
Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, em São Paulo, blogueiros,
ativistas, militantes de partidos políticos, movimentos sociais e advogados
decidiram, por consenso, criar um fundo para socorrer financeiramente colegas
que sejam alvo de processos judiciais, ameaças ou violência em todo o Brasil.
O fundo de emergência será
inicialmente organizado pelo Conselho Nacional da blogosfera, formado por 26
ativistas de todo o Brasil no mais recente encontro da entidade, em Salvador,
na Bahia. Uma conta bancária receberá as contribuições de internautas, por
enquanto em nome do Barão de Itararé. Decidiu-se também que a entidade terá um
corpo jurídico exclusivamente devotado à defesa de blogueiros.
Segundo Altamiro Borges,
presidente do Centro, a judicialização do debate político e a ameaça a poderes
nunca antes questionados multiplicou o número de ações, que incluem ameaças,
agressões e assassinatos.
“Os coronéis acostumados a mandar
sem contestação ou crítica, seja em nível nacional, estadual ou local,
encontram na Justiça frequentemente o caminho para calar ou intimidar a
blogosfera”, afirmou Altamiro. “Com isso, escapam do debate das questões
políticas de fundo, como a da democratização da mídia, para um terreno no qual
dispõem de maiores recursos”, aduziu.
Presentes, os blogueiros Paulo
Henrique Amorim, Rodrigo Vianna e Lino Bocchini — além deste que vos escreve –,
que enfrentam na Justiça ações movidas por grandes corporações da mídia,
declararam que não pretendem recorrer ao fundo, nem agora nem no futuro.
Conceição Lemes, editora-chefe do Viomundo, explicou: “Há gente que nem dispõe
de advogado e que, por falta de recursos, se cala diante de autoridades em
várias partes do Brasil. Não é o nosso caso”.
Embora as decisões futuras ainda
dependam do Conselho Nacional, vários oradores lembraram como absolutamente
prioritário o caso do jornalista/blogueiro Lúcio Flávio Pinto, do Pará. Editor
do Jornal Pessoal, Lúcio Flávio foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça
a indenizar Cecílio do Rego Almeida, a quem acusou de ser grileiro de terras.
A versão mais recente do Jornal
Pessoal critica o PT pela homenagem póstuma a Cecílio, proposta pelo deputado
federal André Vargas, do Paraná, com apoio de José Mentor (PT-SP), conforme
noticiou aqui o Viomundo.
Na edição, porém, Lúcio Flávio
comemora:
“Pará recupera terras
Graças à justiça federal, o Pará
vai ter de volta ao seu patrimônio quase cinco milhões de hectares de terras de
que o grileiro Cecílio do Rego Almeida tentou se apossar. Os sucessores do
empresário perderam o prazo do recurso e a sentença condenatória transitou em
julgado.”
Através de coleta realizada via
internet, Lúcio Flávio arrecadou os R$ 25.116,75 que depositou em juízo para
indenizar Cecílio, depois que desistiu de recorrer no STJ. Antes, havia se
perguntado: “O grileiro vencerá?”.
Apoiadores de Lúcio Flávio mantém
o blog Todos com Lúcio Flávio Pinto, aqui.
Segundo o site, Lúcio Flávio
também foi alvo de 15 processos judiciais, penais e cíveis movidos por uma das
familias mais ricas do Pará, que controla as Organizações Maiorana, detentora
entre outros negócios da concessão local da Rede Globo de Televisão.
Ao lamentar que seus recursos não
tenham sido acolhidos pela Justiça, Lúcio Flávio afirmou então: “Os tribunais
se transformaram em instâncias finais. Não examinam nada, não existe mais o
devido processo legal. E isso não acontece só comigo. São milhares de pessoas
em todo o Brasil, todos os dias, que não têm direito ao devido processo legal.
Em 95% dos casos julgados no país rejeitam-se os recursos. Não tem jeito”.
Reconhecido com o Prêmio Especial
Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos em 2012, Lúcio Flávio edita o
Jornal Pessoal há 25 anos, é uma das vozes mais respeitadas em questões
relativas à Amazônia e se tornou símbolo da resistência da palavra contra o
poder.
“A persistência de Lúcio Flávio
nos anima a todos”, declarou ontem a blogueira Conceição Oliveira.
Os presentes também decidiram dar
apoio aos atos previstos contra as Organizações Globo no dia 26 de abril,
quando a emissora comemora 48 anos de idade. Os atos serão organizados pela
Frentex — Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão —
e o FNDC — o Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação.
As duas entidades acreditam que a
Globo simboliza a concentração midiática e a falta de diversidade que se
dedicam a combater. Manifestações similares aconteceram em anos anteriores. Em
2007, por exemplo, o ativista Bráulio Ribeiro, do Intervozes, declarou:
‘Todos sabem que, nesses 42 anos,
a Globo tem atuado quase como um partido político, defendendo teses, candidatos
e projetos que lhe interessam no Congresso. E faz tudo isso usando um bem
público, que é o espectro radioelétrico. Mas, assim como qualquer emissora de
rádio ou televisão, a Globo é uma concessionária de um bem público. Portanto, o
interesse público é que deveria reger o uso desse bem’, explica Ribeiro.
Desde então, pouco mudou, como
ficou claro em episódios como o da bolinha de papel nas eleições presidenciais
de 2010 e nos 18 minutos dedicados pelo Jornal Nacional a uma “retrospectiva”
do mensalão, na semana que antecedeu o segundo turno das eleições municipais de
São Paulo, em 2012. Nos dois casos, coincidentemente, o candidato tucano José
Serra enfrentou adversários do PT.
Durante o encontro, Altamiro
Borges anunciou que está praticamente pronto um levantamento nacional sobre os
processos, ameaças, perseguições e assassinatos cometidos contra blogueiros,
que será encaminhado junto com uma carta-denúncia à Organização dos Estados
Americanos e às Nações Unidas.
O mapa dará origem a um blog dos
ameaçados, que será linkado nos principais endereços da blogosfera de esquerda
do Brasil.
Os blogueiros presentes também
prometerem apoio ao Projeto de Iniciativa Popular de um novo marco regulatório
das comunicações organizado pela campanha Para Expressar a Liberdade, que será
apresentado ao Congresso nos moldes do projeto que acabou dando origem à Lei da
Ficha Limpa. O objetivo é recolher pelo menos um milhão de assinaturas. A
coleta começa no dia do aniversário da Globo mas deverá ganhar força ainda
maior no Primeiro de Maio, quando a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
dedicará as comemorações do Dia do Trabalho a defender “o direito de todos à palavra”.
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