Documentos mostram que o ex-diretor da PF Caneppa (à esquerda), tido como um dos primeiros líderes da Condor, efetuou prisões e extradições ilegais a pedido do departamento anti-drogas americano; à direita, General Bandera, apontado como aliado dos americanos
Marina Amaral, Agência Publica -
No dia 17 de outubro de 1973, o embaixador americano no Brasil, John Crimmins,
escreveu um telegrama confidencial urgente ao Departamento de Estado chefiado
por Henry Kissinger. A aflição do embaixador é evidente ao se referir à
inesperada chegada ao país de uma equipe de inspeção do GAO (US Government
Accountability Office) – agência ligada ao Congresso americano, criada em 1921
e ainda em atividade – com a missão de investigar a adequação e legalidade das
atividades das agências federais financiadas pelo contribuinte americano.
Inicialmente marcada para o dia 3 de novembro, a antecipação da visita – que
desembarcaria na noite do mesmo dia 17 no Brasil – deixou o embaixador em
polvorosa. O objetivo da missão era auditar o programa anti-drogas desenvolvido
pela DEA – Drug Enforcement Administration – no país.
Criada pelo presidente Richard
Nixon em julho de 1973, com 1.470 agentes e orçamento de 75 milhões de dólares,
para unificar o combate internacional anti-drogas, hoje a DEA tem 5 mil agentes
e um orçamento anual de 2 bilhões de dólares. Embora mantivesse escritórios em
nove países e representantes nas missões diplomáticas americanas ao redor do
mundo (ainda hoje a DEA tem escritórios na embaixada em Brasília e no consulado
de São Paulo), desde 1969, quando ainda atendia pelo nome de BNDD (Bureau of
Narcotics and Dangerous Drugs), a missão da DEA sempre foi "lidar com o
problema das drogas, em ascensão, nos Estados Unidos". Sua relação com os
outros países, ao menos oficialmente, não previa o combate às drogas em cada um
deles; o objetivo era impedi-las de chegar à população americana.
Por que então Crimmins estava tão
preocupado com a chegada inesperada da equipe de auditoria ao Brasil? Ele
explica no mesmo telegrama a Henry Kissinger: "Os oficiais da embaixada
pedem instruções sobre quais os documentos dos arquivos da DEA e do
Departamento do Estado, relativos a drogas, devem ser liberados para a equipe
do GAO", escreveu. "Especificamente pedimos orientação sobre os seguintes
assuntos: a) os planos de ação anti-drogas, levando em conta que nem toda a
estratégia sugerida nesses documentos foi aprovada pelo Comitê Interagências
(Interagency Commitee) em Washington; b) tortura e abuso durante o
interrogatório de prisioneiros; c) o centro de inteligência da Polícia Federal;
d) os arquivos de informantes, incluindo os registros de pagamentos; e)
operações confidenciais e telegramas de inteligência; f) operações
clandestinas, incluindo a transferência de Toscanino do Uruguai ao Brasil; g)
documentos de planejamento das alfândegas brasileiras e do departamento de
polícia federal", detalha.
A resposta de Kissinger não
consta da base de dados do National Archives (NARA) reunidos na Biblioteca de
Documentos Diplomáticos do WikiLeaks, mas a julgar por outros documentos, havia
sim motivos para se preocupar. Pelo menos em relação ao único caso específico
ali referido: a transferência de Toscanino do Uruguai para o Brasil.
Quatro meses antes da chegada dos
auditores do GAO ao Brasil, Francisco Toscanino, cidadão italiano, foi
condenado junto com mais cinco réus pelo tribunal de júri de Nova York, em
junho de 1973, por "conspiração para tráfico de drogas". De acordo
com uma testemunha presa, que estava colaborando com a polícia em sistema de
delação premiada, Toscanino, que morava no Uruguai, estava indicando
compradores, em solo americano, para uma carga de heroína enviada de navio e
parcialmente flagrada por agentes infiltrados da DEA nos Estados Unidos.
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Fonte: Brasil 24/7


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