O ensino de língua estrangeira no
Brasil
não
ajuda a melhorar a baixa proficiência dos alunos
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| Thais Paiva e Tory Oliveira |
Alunos reclamam o conteúdo
ultrapassado e aulas baseadas em tradução. Segundo Gretel, o professor acaba
preso ao molde tradicional
Ver e rever o verbo to be. É
assim que a estudante de construção civil, Mayara Ferreira, de 21 anos, define
as aulas de inglês que teve durante o Ensino Fundamental e Médio, ambos
cursados na rede pública. A estudante começou a ter aulas da língua estrangeira
no sexto ano, mas a ausência de uma metodologia adequada e professores
qualificados colaborou para que ela se formasse apenas com uma vaga noção do
idioma. Entre suas principais queixas: a mesmice dos conteúdos, aulas baseadas
na tradução e professores que pareciam não ligar para a evolução dos alunos.
“Sempre gostei de estudar, mas as aulas de inglês não tinham credibilidade, era
uma bagunça. No Ensino Médio, era comum os alunos saírem da sala quando ia
ter aula. A gente pensava “não vamos
aprender nada mesmo, vai ser verbo to be de novo”.
O desinteresse não acontece
apenas na escola pública. Aluno do primeiro ano do Ensino Médio, Felipe
Pessanha, de 15 anos, sempre estudou em escolas particulares em Belo Horizonte.
Ele conta que adquiriu mais conhecimento sobre a língua inglesa sozinho do que
na escola: “As aulas serviam só para aprender o básico e, mesmo assim, muitos
alunos saiam sem entender nada. Quem quisesse realmente aprender alguma coisa
tinha de procurar um curso ou pesquisar sozinho”.
A dificuldade em aprender inglês
enfrentada por Mayara e Felipe compõe um cenário muito mais amplo e preocupante
no Brasil. Segundo o estudo publicado em agosto de 2012 pela British Council,
ONG do Reino Unido para oportunidades educacionais e culturais no Brasil,
apenas 5% da população brasileira pode ser considerada fluente na língua.
A baixa desenvoltura dos
brasileiros também foi comprovada pelo EPI 2012 – Índice de Proficiência em
Inglês, realizado pela EF Education First, escola especializada no ensino de
idiomas e intercâmbios, que avaliou a gramática, vocabulário, leitura e
compreensão de 1,7 milhão de adultos de 54 países.
O Brasil figurou na 46ª posição
do ranking com uma avaliação de proficiência muito baixa, caindo 15 posições em
relação ao último estudo, de 2011. “Um falante com proficiência muito baixa é
capaz de se comunicar de forma simples, entender frases isoladas contendo
informações rotineiras, mas não consegue desenvolver uma conversa ou discorrer
sobre assuntos mais complexos”, explica Luciano Timm, diretor de marketing da
EF no Brasil e porta-voz do EPI.
A deficiência do aluno brasileiro
em língua estrangeira também salta aos olhos quando se observa a distribuição
geográfica dos bolsistas do programa Ciência sem Fronteiras: Portugal é o segundo
destino mais visado, atrás apenas dos Estados Unidos. Mais do que a quantidade
e excelência das universidades portuguesas, a falta de domínio de um segundo
idioma ajuda a explicar a preferência dos estudantes brasileiros.
Por esse motivo, o ministro da
Educação, Aloizio Mercadante, declarou em abril que Portugal não estará mais
entre as opções de destino. Provisória, a medida já vale para os editais
abertos neste semestre e tem como objetivo estimular o aprendizado de outras
línguas.
Criado em 2011 pelo governo
federal, o Ciência sem Fronteiras oferece bolsas de estudo para alunos de
graduação, pós-graduação e pesquisadores de áreas estratégicas (como ciências
exatas e engenharia) em universidades estrangeiras. Ao menos 38 países fazem
parte do leque de opções universitárias, mas a barreira linguística acaba se
tornando um impeditivo, já que é necessário comprovar um nível mínimo de
proficiência para pleitear a bolsa. “É vergonhoso. Todo mundo só quer ir a
Portugal, fica uma pobreza de demanda em termos de divulgação da pesquisa no
Brasil”, lamenta Fernanda Liberali, professora do departamento de Inglês e do
programa de pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da
PUC-SP.
Prestes a receber eventos
esportivos internacionais como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, o Brasil sente
ainda mais a necessidade de falar outra língua diante do grande número de
turistas que passarão pelo País. A Wise Up, patrocinadora oficial da Copa,
avaliará o inglês dos voluntários, que receberão as oportunidades de trabalho
de acordo com seu nível de inglês.
A baixa proficiência do
brasileiro também impacta a competitividade econômica. No estudo do EPI, o
Brasil apresentou o pior desempenho entre os membros do BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) e, de acordo com uma pesquisa realizada pela
Catho, empresa especializada em Recursos Humanos, apenas 8% dos executivos
brasileiros são capazes de falar e escrever em inglês de forma fluente; 24% têm
dificuldades em compreender ou se comunicar em inglês.
“Uma competência linguística
limitada tem um impacto bastante negativo tanto no desenvolvimento profissional
de cada indivíduo quanto também no crescimento do País. Oportunidades de
negócios podem ser perdidas, relações profissionais podem ser prejudicadas e a
falta de independência é maximizada”, explica Vinícius Nobre, gerente do
departamento acadêmico da Cultura Inglesa.
Falta de preparo e desvalorização
As raízes da falta de domínio do
estudante brasileiro podem ser encontradas na formação do professor e no espaço
reservado à disciplina na grade curricular. O inglês, e mais recentemente o
espanhol, amargam há tempos a condição de patinho feio da grade curricular da
escola. Só a partir de 2010, por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) passou a cobrar questões específicas de inglês ou espanhol na prova. Os
materiais didáticos também só passaram por uma avaliação do MEC nos últimos
anos, a partir da inclusão no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
Em geral, a carga horária de
língua estrangeira é reduzida: uma aula por semana ou, rara exceção, duas. “Há
salas com 50 alunos. Isso é uma realidade em todas as disciplinas, mas em
língua estrangeira é improdutivo”, analisa Gretel Eres Fernández, da Faculdade
de Educação da USP e consultora das Orientações Curriculares de Espanhol para o
Ensino Médio.
Desvalorizada historicamente
dentro da escola, apesar da crescente demanda do mercado e da Academia, a
língua estrangeira ensinada na escola ainda é cercada de mitos. “Os alunos já
acham que o inglês não se aprende na escola, os outros professores acham que o
professor de inglês só ensina o verbo to be, se uma disciplina precisa ser
retirada do horário, sempre é o inglês”, elenca Sirlene Aparecida Aarão, professora
em escolas particulares do Ensino Médio e autora de materiais didáticos da
disciplina. “Os próprios coordenadores muitas vezes não sabem a língua e não
têm condições de avaliar se o nível do profissional é ou não adequado”, afirma
Fernanda Liberali.
Embora seja uma área considerada
prioritária pelo governo, o número de matrículas nos cursos de licenciatura
está em queda. O desinteresse pela docência também atinge aqueles voltados para
o ensino de línguas. Tal situação tem causado o fechamento de cursos de Letras
por falta de alunos e em alguns estados faltam professores. Os cursos também
enfrentam o ingresso de estudantes sem domínio anterior da língua estrangeira.
Lucilene Fonseca, doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela
PUC-SP, trabalhou em cursos de formação de professores e relata o despreparo
dos futuros docentes: “Eles têm medo de falar a língua, pois não têm fluência e
segurança, e isso se reflete nas aulas de idiomas nas escolas, que se tornam
completamente enfadonhas para o aluno”.
A graduação deveria ser o momento
para o professor aprofundar e discutir questões linguísticas e de ensino em
profundidade, porém, como ele ingressa sem conhecimentos, é no curso que ele
vai aprender o idioma”, afirma Gretel. O problema é que o tempo reservado para
aprender a língua é reduzido: em média, os cursos de espanhol dedicam 400 horas
para língua estrangeira, exemplo que pode ser estendido para os demais idiomas.
O despreparo do professor limita
sua atuação em sala de aula e desestimula os alunos. “Hoje, a língua inglesa
não é utilizada como base da comunicação em sala de aula. O professor e os
alunos se comunicam em português e apenas falam sobre o idioma, mas analisar a
língua não leva à fluência e sim às práticas comunicativas do dia a dia. Esse
modelo baseado na tradução é prejudicial, pois o aluno fica sem a vivência do
idioma”, explica Renata Quirino de Souza, consultora de Educação e integrante
do projeto Pacto pela Alfabetização na Idade Certa.
A falta de identidade da
disciplina e de uma política nacional capaz de articulá-la também é apontada
como entrave para aulas de idiomas mais eficientes. Nas grandes escolas
particulares, por exemplo, a abordagem costuma ser irregular ao longo do Ensino
Médio. “Até o segundo ano, o aluno estudava com livros importados e era
dividido por nível de proficiência. No terceiro ano muda o enfoque para a
leitura, por causa do vestibular”, conta Sirlene.
A inexistência de uma política
nacional e estadual para o ensino de línguas no Brasil, segundo Gretel, deixa o
professor perdido: “Não sabemos o que pretendemos ensinar para o estudante.
Hoje estamos caminhando sem rumo”.
Para Vinícius Nobre, da Cultura
Inglesa, o ensino da língua no País ainda é muito desvalorizado e tem como
grande obstáculo a falta de um órgão legislador que garanta a qualidade dos
serviços prestados pelas escolas particulares e profissionais do ensino de
inglês. “Temos inúmeros exemplos, nas iniciativas privada e pública, de
práticas que não preenchem os requisitos básicos para o ensino eficiente de um
idioma estrangeiro. Vivemos em uma realidade onde professores são contratados
sem qualificação, treinamento, registro e com salários pouco atraentes”,
aponta.
Há ainda os riscos de um mercado
com apelo comercial muito forte que faz promessas infundadas sobre a aquisição
de outra língua com o objetivo de vender cursos. “Há a combinação de uma
educação carente nos ensinos Fundamental e Médio com profissionais e empresas
despreparados no universo dos cursos livres. Esse quadro só vai melhorar quando
a educação for valorizada e o ensino de inglês for reconhecido como ciência”,
na opinião de Nobre.
Apesar dos entraves, os
especialistas concordam que é possível aprender inglês dentro da escola
regular. “A questão é como a aula será oferecida. O aluno não vai se interessar
por uma aula tradicional, em que não é possível estabelecer relações entre ela
e os usos da língua no cotidiano”, analisa Gretel. Com a formação deficiente ou
sem tempo hábil disponível, o professor acaba preso ao modelo tradicional. A
especialista aponta algumas boas iniciativas na rede pública dos estados de São
Paulo, do Paraná e no Distrito Federal. O princípio é o mesmo: centros
vinculados às escolas públicas ensinam idiomas estrangeiros gratuitamente para
os alunos no contraturno.
Para amenizar o cenário no curto
prazo, Gretel cita algumas medidas emergenciais: contratação de mais
professores, ampliação da carga horária da disciplina, modificações na prova de
língua estrangeira do Enem (como o aumento no número de perguntas e
incorporação da oralidade) e mudanças nas aulas oferecidas no Ensino Médio.
Além disso, desenvolver com os alunos atividades mais ligadas ao seu cotidiano
como análise de filmes e pesquisas sobre assuntos que os interessam pode
auxiliar o processo de aprendizagem. “Os alunos conseguem compreender melhor
aquilo que estão lendo ou vendo quando possuem interesse no assunto”, diz a
consultora Renata Quirino, que também aposta em uma metodologia que leve em
conta não somente a língua, mas também a cultura e identidade de seus povos
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