Próximo de completar nove anos no país, a Minustah mantém a situação de pobreza e censura, assegurando os interesses políticos e econômicos estadunidenses
|
A Missão de Estabilização das
Nações Unidas no Haiti (Minustah) completará nove anos em junho. Criada em 2004
pelo Conselho de Segurança da ONU, determinou a ação de tropas estrangeiras no
país após o golpe contra o então presidente Bertrand Aristide. Ele foi
sequestrado e deposto por forças estadunidenses, sendo obrigado a se exilar na
África.
Desde então, o Brasil lidera as
tropas, que atualmente contam com mais de nove mil soldados de 49 países.
Passados nove anos da ocupação
militar, o Haiti segue sendo o país mais pobre das Américas: 70% de desemprego
e salário médio de 3 dólares/dia. Em contrapartida, a previsão de gastos para
manutenção do efetivo militar para o próximo biênio é de 900 milhões de
dólares.
Em visita oficial ao Brasil, o
senador haitiano Jean Charles Moises, autor de um projeto de lei que pede a
saída gradativa das tropas estrangeiras de seu país, fez uma série de denúncias
referentes à atuação da Minustah na repressão ao movimento popular e sindical.
“Uma das ações das tropas é dispersar manifestações populares e acabar com
qualquer forma de protesto do povo haitiano”, denuncia.
Ademais, a Minustah é acusada
pelo senador de atos de violência contra jovens e mulheres (no âmbito sexual
neste caso) por todo o país, além de contribuir com a proliferação de
epidemias. “Ajudou a agravar a epidemia de cólera no Haiti, doença trazida pelo
batalhão do Nepal, que já matou 8 mil e contaminou 700 mil haitianos” descreve.
Para Jean, o papel das tropas
estrangeiras no Haiti é assegurar o domínio político e econômico de outros
países por intermédio da intervenção militar. “Quem ocupou realmente o Haiti
foram os Estados Unidos, França e Canadá. O Brasil é só um fantoche. Por isso
estamos em campanha para sensibilizar os dirigentes latino-americanos para que
ajudem incidir sobre a situação da retirada das tropas no país”, explica.
No encontro que teve com diversos
políticos brasileiros em Brasília, Jean tentou alertar sobre a estratégia
estadunidense de usar a imagem do Brasil para apaziguar a presença da Minustah
no Haiti. “Nesse sentido, os estadunidenses foram muito estratégicos, pois, se
fosse uma invasão apenas de homens dos Estados Unidos, o povo haitiano se
sentiria provocado, mas como existe o exército brasileiro no comando é
diferente, porque culturalmente é mais aceitável. Por isso, os Estados Unidos
incentivaram o governo brasileiro a enviar tropas para o Haiti”, elucida.
Ao Brasil de Fato, o senador
ainda comenta sobre o alto grau de corrupção no naquele país, da aliança do
presidente Michel Martelly com os Estados Unidos, e os motivos que retardam a
aprovação de seu projeto de lei para retirada da Minustah do país.
Brasil de Fato – Como está a
tramitação do projeto de lei de sua autoria, que pede a saída gradativa da
Minustah do Haiti?
Jean Charles Moises – O projeto
foi aprovado no Senado, mas não foi sancionado pelo presidente, que parece
querer a continuação das tropas estrangeiras no Haiti.
Qual o interesse do presidente
haitiano na continuidade da Minustah no país?
O presidente Michel Martelly é
aliado dos Estados Unidos e quer as tropas no país para assegurar o saqueio
estadunidense sobre nossos recursos naturais. Por exemplo, o ouro, que existe
em grande proporção no norte haitiano, está sendo explorado pelas empresas
estadunidenses. Nos últimos anos, a expulsão dos camponeses pela Minustah em
áreas de incidência mineral tem sido constante.
A população tem protestado contra
o atual governo e a presença das tropas estrangeiras?
A população tem retomado algumas
formas de manifestação, principalmente diante da postura extremamente
direitista do governo de Martelly. Mas uma das ações da tropa é dispersar
manifestações populares e acabar com qualquer forma de protesto do povo
haitiano. Ainda falta forjarmos um movimento camponês que seja, de fato,
revolucionário, e que tenha força para lutar contra as políticas neoliberais
que ainda imperam no país.
O Haiti segue sendo o país mais
pobre das Américas, com índice de 70% de desemprego e salário médio de 3
dólares/dia. A presença da Minustah perpetua essa situação?
Sim, porque colabora com a
interferência do governo estadunidense no país, que quer fazer do Haiti um
grande mercado aberto, além de contribuir ainda mais com a corrupção.
Recentemente tivemos um exemplo
emblemático de corrupção no país. Conseguimos aprovar um projeto no Senado onde
a Petrocaribe [aliança entre países caribenhos com a Venezuela] destinou 30
milhões de dólares para infraestrutura de irrigação e sementes, que benefi
ciaria os camponeses, mas essa verba foi repassada ilegalmente ao setor privado
pelo governo, e a justiça haitiana nada fez.
Então a presença militar serve
para garantir esse domínio diante de um povo que pode se revoltar a qualquer
momento, motivado pelas condições de vida às quais está submetido?
A presença estrangeira de tropas
militares é justamente para garantir o domínio econômico e político no país.
Nesse sentido, os estadunidenses foram muito estratégicos, pois, se fosse uma
invasão apenas de homens dos Estados Unidos, o povo haitiano se sentiria
provocado. Mas como existe o exército brasileiro no comando é diferente, porque
culturalmente é mais aceitável. Por isso, os Estados Unidos incentivaram o
governo brasileiro a enviar tropas para o Haiti.
Mas, de fato, o comando das
tropas é brasileiro?
Logicamente que não, quem ocupou
realmente o Haiti foram os Estados Unidos, França e Canadá. O Brasil é só um
fantoche. Por isso estamos em campanha para sensibilizar os dirigentes
latino-americanos para que ajudem incidir sobre a situação da retirada das
tropas no país.
Na viagem ao Brasil você visitou
Brasília e se encontrou com diversos políticos brasileiros, qual a opinião
deles sobre os soldados brasileiros no Haiti?
A grande maioria de políticos que
conversei é favorável à invasão militar estrangeira no país, porque realmente
não sabem o que ocorre no Haiti. Eles desconhecem a situação miserável que vive
o povo em função dos domínios econômico, político e militar. Inclusive Eduardo
Suplicy, com quem conversei também se dizia favorável, mas eu consegui
convencê-lo e o mesmo disse que quer ajudar na retirada das tropas.
Quantos soldados existem hoje no
Haiti a serviço da Minustah e qual o montante de dinheiro gasto com a operação
do efetivo?
Hoje ocupam o Haiti 9.292 mil
soldados de 49 países. Os gastos referentes a 2011-2012 chegaram a 648.394
milhões de dólares, e estima-se que para o próximo biênio chegará a 900 milhões
de dólares.
Quanto o governo haitiano
gastaria para manter um exército próprio?
Com 10% desse dinheiro gasto
hoje, faríamos nosso próprio contingente de soldados que garantiriam a
segurança do país. Poderíamos empregar essa verba destinada à Minustah para
resolver os problemas de saúde, educação, infraestrutura e emprego do país; o
que realmente precisamos.
Além do papel de dominação da
Minustah sobre o povo haitiano, existem outras denúncias contra a tropa?
A Minustah é acusada de atos
violentos contra jovens e violação sexual infringidas a mulheres por todo o
país. Também ajudou a agravar a epidemia de cólera no Haiti, doença trazida
pelo batalhão do Nepal, que já matou 8 mil e contaminou 700 mil haitianos.
(Colaborou Paulo Almeida)
Foto: Marcello Casal Jr/ABr
Nenhum comentário:
Postar um comentário