Ele não torturou pessoalmente
ninguém, mas abriu as portas para o terror de estado ao assinar o AI-5.
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| Delfim |
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| JOSÉ NABUCO FILHO |
A Comissão Nacional da Verdade
nunca poderá responsabilizar penalmente as pessoas que teriam praticado
torturas e homicídios. Não há possibilidade jurídica de que isso ocorra com os
agentes da repressão. Como decidiu o Supremo Tribunal Federal, a Lei de Anistia
e a emenda constitucional 26/85, que convocou a Assembleia Nacional
Constituinte, no art. 4º, § 1º, continuam válidas.
Todas as regras alegadas para
crimes de tortura são posteriores e não podem atingir fatos anteriores em razão
da regra da irretroatividade da lei penal. É possível, porém, esmiuçar ainda
mais o que se chama de “criminalidade de estado”, situação em que o estado
deixa a posição de guardião dos direitos para se portar como violador de
direitos fundamentais. Apesar de existir na sociedade o “fetiche da pena” —
para usar a expressão dos juristas Dimitri Dimoulis e Ana Lúcia Sabadell —, não
se pode desprezar a importância de identificar os autores das nefandas
violações de direitos fundamentais e expô-los.
Delfim Netto não pendurou ninguém
no pau-de-arara e seria incapaz de colocar uma pessoa na cadeira do dragão.
Apesar disso, é um dos responsáveis pelas atrocidades ocorridas depois do AI-5.
Por que ainda não foi convocado para depor na CNV?
No dia 13 de dezembro de 1968, o
Conselho de Segurança Nacional reuniu-se para a deliberação sobre o AI-5. Ele
era formado pelo presidente da república, vice, ministros e o chefe do SNI.
Nessa reunião, ele, que era ministro da Fazenda, foi um dos entusiastas e
signatários do ato preparado pelo Ministro da Justiça Gama e Silva. Com sua
aprovação, o Brasil viveu o recrudescimento da ditadura, com o fechamento do
Congresso por tempo indeterminado.
Dentre outras medidas
ditatoriais, estava suspenso o habeas corpus em casos de crimes políticos e
contra a segurança nacional (art. 10). Isso foi o que mais contribuiu para a
instalação da poderosa indústria da tortura. Preso alguém, com base no AI-5, o
poder judiciário estava manietado, não podendo conceder ordem de habeas corpus
e sequer apreciar a legalidade da prisão. Qualquer pessoa razoavelmente
informada conhece a advertência de Montesquieu de que todo homem com poder
tende à prática do abuso e age até encontrar o limite. Poder ilimitado é
sinônimo de abuso, truculência e violência.
Apesar disso, Delfim Netto achou
pouco: “Direi mesmo que creio que ela não é suficiente”. De duas uma: ou não
lhe ocorreu que se estavam abrindo as portas para a tortura — o que não é
verossímil, pois ele está longe de ser um ingênuo —, ou ele não se importou com
a vida e a integridade das pessoas que seriam submetidas à brutalidade da
repressão. Delfim estava presente também à fundação da Operação Bandeirantes, a
Oban, o grupo de empresários que financiava a repressão.
Delfim não sujou as mãos com o
sangue das vítimas, não ouviu os gritos dos torturados e nem se encarregou de
ocultar cadáveres. Mas seu endosso macula indelevelmente sua biografia, como a
de todos os signatários do AI-5. Apesar disso, ele anda por aí, aos 84 anos,
ainda com pose de economista influente, como se nada tivesse a ver com essa
triste memória.
É preciso que a Comissão Nacional
da Verdade intime Delfim para que ele esclareça para o Brasil sua posição
naquele triste período. Instalado confortavelmente no poder, Delfim propiciou
que se instalasse a mais tenebrosa máquina de tortura já existente no Brasil e
deve ter algo a dizer sobre isso.
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José Nabuco Filho é mestre em Direito Penal pela Unimep, professor de Direito Penal da Universidade São Judas Tadeu



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