
![]() |
Por Vitor Hugo Soares
|
Uma constatação: o banqueiro
Daniel Dantas é o que se pode chamar verdadeiramente de “o cara”, nos
parâmetros da escala de qualificação pós-G20. Condenado a 10 anos de prisão, o
dono do grupo Opportunity, protegido por um habeas corpus do STF, produziu
estragos de terremoto com intensidade de mais de sete graus na escala da
política, na sua passagem de seis horas de duração pela CPI dos Grampos, esta
semana. A saber: fez intrigas, disparou suspeitas desmoralizantes contra a
Polícia Federal; bateu abaixo da cintura do delegado Protógenes - seu inimigo
mais feroz; fez bolinha de sabão e soprou no ar o esperto presidente da
comissão, Marcelo Itagiba; atiçou briga feia entre o vacilante relator baiano,
Nelson Pelegrino, e o esquentado deputado pernambucano, Raul Jungmann. Um
arraso completo, geral e indiscriminado.
Mas, como se tudo isso não
bastasse, o banqueiro ainda guardou munição pesada para disparar contra a Rede
Globo de Televisão, forçando a poderosa emissora do Jardim Botânico, no Rio de
Janeiro, a quebrar rotinas do Jornal Nacional, e produzir editorial lido com
voz solene pelo já naturalmente formal William Bonner, para responder às
suspeitas levantadas por Dantas, de parceria condenável do jornalismo da Globo
com a Polícia Federal, durante Operação Satiagraha.
Na sísmica passagem do banqueiro
pela CPI, se impunha - principalmente para quem curte livros de História e
Literatura - a notável semelhança no jeito de ser, de agir e se comportar de
Daniel Dantas, com o seu mais famoso ancestral: Cícero Dantas ( de quem o
banqueiro vem a ser trineto), o político e fazendeiro de terras sem fim e poder
incontrastável no Brasil (principalmente na Bahia) do fim do Império e começo
da República.
No antológico romance “A Guerra
do Fim do Mundo”, do peruano Mario Vargas Llosa, Cícero Dantas, Barão de
Jeremoabo, é encarnado por emblemático personagem: o Barão de Canabrava.
Imperador de propriedades e pessoas desde Alagoinhas, na entrada do Recôncavo
Baiano, até Juazeiro, nas margens do São Francisco, o rio da minha aldeia,
cujas razões generosas alegadas para a transposição das águas foram postas sob
suspeitas pelo delegado Protógenes no depoimento da semana passada.
Na encenação desta semana na CPI,
Dantas era a cópia fiel do Barão de Canabrava, no episódio narrado por Llosa,
quando da recepção que lhe foi oferecida em Salvador, no retorno do passeio
prolongado à Europa, enquanto o conflito dos beatos seguidores de Conselheiro e
as tropas do Exército, comandadas pelo general Moreira Cezar, ameaçavam
incendiar a Bahia e projetavam reflexos de enorme tensão sobre a República
vicejante e instável.
Recebido pela tensa elite,
acusada de colaborar com os sediciosos “monarquistas” de Canudos, o Barão
produz uma fala antológica, na presença, inclusive, do Conselheiro Luis Viana,
que então governava a Bahia. Disse Cícero Dantas, na pele do personagem de
Llosa: “Não há razões para suicídios, senhores. Ninguém vai arrebatar o que é
nosso. Não estão aqui o poder político, a administração da Bahia, a justiça da
Bahia, o jornalismo da Bahia? Não estão aqui a maioria das terras, dos bens,
dos rebanhos da Bahia? Nem o coronel Moreira Cezar pode mudar isso”.
E o Barão concluiu seguro de si,
levantando um pouco o tom de voz: “Acabar conosco seria acabar com a Bahia,
senhores. Epaminondas Gonçalves (o líder dos republicanos baianos na época) e
os que o seguem são uma extravagante preciosidade desta terra. Não têm os
meios, nem a gente , nem a experiência para dirigir a Bahia ainda que tomem as
rédeas nas próprias mãos. O cavalo os jogaria no chão no ato”.
Tentem recordar agora da figura
de Daniel Dantas na CPI, do clima de tensão e confusão que logo se estabeleceu
com a sua presença: o olhar pasmo do esperto deputado Itagiba, a cada resposta
do depoente; o desconforto seguido de irritação aberta do senador Raul Jungmann
(PPS-PE), quando teve negada a sua vontade aparente de prorrogar e aprofundar
investigações, que batia de frente com o relator Nelson Pelegrino (PT-BA) em
sua pressa de encerrar tudo o mais rápido possível.
Pelegrino deixa claro: quer
produzir o seu novo relatório logo - mesmo com resultados tão pífios quanto o
primeiro. Largar de vez o pepino que tem nas mãos, em Brasília e se apresentar
ao governador Jaques Wagner, que o convidou para substituir a jurista Marilia Muricy
(referência na defesa dos Direitos Humanos na Bahia), à frente da Secretaria de
Justiça do Estado, na administração petista.
Quase no final de tudo, a síntese
mais completa: a indomável deputada gaúcha, Luciana Genro, ar de indignado
desalento reclama, antes do dono do Oportunity deixar, tranqüilo, o palco da
CPI dos Grampos: “Coloca-lo na cadeia não foi fácil, está custando a carreira
do delegado Protógenes!”
Pelo visto, vai custar a de muita
gente mais.
Escreve na Tribuna da Bahia, Blog da Rádio Metrópole e Blog
do Noblat. Foi Chefe da Sucursal do JB e da Veja, na Bahia. Foi editor de
opinião de A Tarde

Nenhum comentário:
Postar um comentário