Após um ano de atuação, Comissão
da Verdade vai tornar públicos os centros de tortura e nomes de torturadores.
Nova coordenadora, Rosa Maria Cardoso aponta os desafios para acessar arquivos
das Forças Armadas.
Proprietário Inicial Mario
Lodders
Função inicial tortura
e assassinato de presos políticos
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| Por Redação |
Balanço que a Comissão Nacional
da Verdade divulga na próxima semana vai indicar os centros de tortura
clandestinos utilizados pelos comandos dos órgãos de repressão durante a
ditadura. Nessa relação constam casas e até propriedades rurais usadas para
reprimir os opositores do regime militar. São locais até agora desconhecidos
onde os perseguidos políticos eram torturados e até mortos antes de serem
entregues às unidades do regime, como o DOI-Codi. A comissão identificou também
diversos nomes de militares e agentes da repressão que atuavam nesses locais.
"É um levantamento dos
centros de tortura e um grande organograma no qual os espaços antes
desconhecidos começam a ser preenchidos com nomes, cargos e instituições",
disse Paulo Sérgio Pinheiro, que está deixando a coordenação da comissão.
Comissão apresentará 61 nomes
A Comissão investiga crimes
políticos cometidos por agentes do Estado entre 1946 e 1988 e foi instalada há
um ano, para atuar, a princípio, por dois anos e encerraria sua pesquisa em
maio do ano que vem. A presidente Dilma Rousseff, atendendo a pedidos de
entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), e também da própria
comissão, vai estender o trabalho por mais seis ou sete meses. Pinheiro estava
no grupo que se reuniu com Dilma anteontem e defendeu a ampliação do tempo de
trabalho.
"Temos uma lista de 1.500
nomes de torturadores e agentes, de uma listagem básica. Temos que descobrir se
estão vivos, o RG (identidade), o último endereço. Já levantamos 250 nomes e
entrevistamos 61. E é uma entrevista que tem que ser bem preparada, para não
fazermos papel de tontos. O sonho de toda comissão é ter mais tempo de
trabalho", disse Pinheiro.
O balanço da semana que vem
apresentará vários documentos inéditos produzidos pelos órgãos de repressão e
os nomes dessas 61 pessoas já entrevistadas pela comissão, e que estiveram
envolvidas ou conhecem as práticas de tortura, de desaparecimentos e ocultação
de cadáveres.
Revisão do ensino de história
Ao todo, a Comissão da Verdade já
contabiliza 15 audiências públicas com familiares de mortos e desaparecidos, e
depoimentos de 220 sobreviventes e testemunhas. Cerca de 16 milhões de páginas
estão sendo digitalizadas.
A Comissão da Verdade também
recomendará, no seu relatório final, que se faça uma "revisão
drástica" do ensino de História nas academias militares. O grupo quer
mudar a forma como o golpe de 1964 é ensinado e visto por essas instituições.
"É preciso uma revisão
drástica do ensino de História nas academias militares, onde mentiras e mitos
sobre 64 são repassados. Como a de que o golpe foi uma revolução contra o
comunismo. Isso é história da carochinha. Esse golpe de 64 foi sendo preparado
desde Juscelino Kubitschek. Esse desejo de imposição de ditadura em nome da
segurança nacional é velho. Foi o terrorismo de Estado, que implementou uma
ditadura. O ensino militar tem que ser compatibilizado com a democracia que
estamos tendo", disse Pinheiro.
Os centros de tortura vêm sendo
investigados pela comissão, que já visitou a Casa da Morte, em Petrópolis. No
local, militantes de esquerda teriam sido mantidos presos, foram torturados e
mortos. Por lá passou o ex-deputado federal Rubens Paiva. Em seu depoimento na
comissão, o coronel Carlos Brilhante Ustra garantiu que esses centros nunca
existiram.
Segundo ele, o relatório final da
comissão será contundente e vai reconstituir a veracidade dos crimes negados
por seus autores diretos e mandantes: "Depois do relatório, se fará
verdade sobre os crimes da ditadura, e se estará mais perto do que nunca para
que a impunidade dos mandantes e autores desses crimes não mais
prevaleça."
Comissão e militares, diálogo
lacônico
Outro ponto que constará no
documento são as relações da Comissão da Verdade com o Ministério da Defesa e
os três comandos militares. Pelo menos uma vez, conselheiros reuniram-se com os
comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, no Ministério da Defesa. O
encontro foi mediado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.
"Ultrapassamos a fase do
queimou ou não queimou documento. Neste primeiro ano ficou estabelecido que
essa prática é ilegal. E, pela primeira vez em 40 anos, estamos dialogando com
os três comandos. Foi repassada documentação. Esses militares que estão aí não
têm nada a ver com os crimes praticados (na repressão). Os crimes dos que os
antecederam, nós estamos pesquisando. E tem aqueles que estiveram envolvidos,
caso do Ustra. Há um diálogo com as Forças Armadas de hoje. É um diálogo
discreto, não dá para bater bumbo. Mas é um avanço", disse Pinheiro.
À imprensa, a advogada Rosa Maria
Cardoso, que assume nesta sexta-feira (17) a função de coordenadora da comissão
e que defendeu a presidente Dilma Rousseff e outros perseguidos políticos na
época do regime militar, por outro lado, aponta os desafios na relação com as
Forças Armadas. Após um ano de funcionamento, a comissão ainda tem dificuldades
de acesso a valiosos arquivos da repressão. Rosa anunciou que tentará novos
"caminhos" para ter acesso aos arquivos da repressão.
O grupo encarregado de investigar
crimes do Estado teve sua entrada barrada pelas Forças Armadas nas dependências
do CISA, CIEX e Cenimar - os centros de inteligência da Aeronáutica, Exército e
Marinha que organizavam as operações de combate a grupos armados nas cidades e
nas áreas rurais.
A advogada não adiantou quais
caminhos a comissão usará para chegar aos documentos. Uma das possibilidades
seria esgotar todas as estratégias legais para entrar nas salas dos centros de
inteligência. Reservadamente, já se chegou a discutir um pedido legal de busca
e apreensão.
Legislação
A Lei 12.528, que criou a
comissão, destaca que o grupo pode requerer ao Judiciário acesso às
informações. A mesma lei ressalta que é "dever dos servidores e dos
militares colaborar com a comissão".
A comissão já tentou de
diferentes maneiras convencer os comandos militares a cumprir a determinação.
Em junho do ano passado, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a
sinalizar, em entrevista - tendo ao lado de membros da comissão -, que as
Forças Armadas cumpririam a lei e abririam os arquivos dos centros de
inteligência. "A lei diz que nós temos todo o dever de cooperar. Em termos
gerais, tudo estará aberto", disse na ocasião o ministro. Amorim não
repetiu o discurso de seus antecessores de que os papéis da ditadura foram
queimados. Mas até o momento, não conseguiu avanços significativos.
Divulgação do relatório
Integrantes da Comissão se
reuniram na terça-feira (14) no Palácio do Planalto com a presidenta. No
encontro com os integrantes da comissão, foram antecipadas para a presidenta os
resultados de um levantamento dos primeiros 12 meses de trabalho, que será
apresentado ao público na próxima terça-feira (21). "Vai haver
surpresa", disse Paulo Sérgio Pinheiro, atual coordenador do grupo.
"Vamos oferecer informações
concretas." A comissão divulgará um levantamento "quantitativo"
e "qualitativo" com informações obtidas por 14 grupos de trabalho.
Pinheiro avaliou que o novo prazo
da comissão permitirá ouvir um número maior de agentes da repressão e uma
análise da grande quantidade de documentos oficiais. Pinheiro observou que na
Argentina a comissão montada para investigar crimes da ditadura ocorrida entre
1976 e 1983 durou nove meses.
Um dos principais problemas de
tempo do grupo é a análise dos documentos que chegam às suas mãos, produzidos
por cerca de 90 instituições brasileiras e estrangeiras.
Nesse dia, a presidenta
Dilma Rousseff defendeu o trabalho da
Comissão como necessário para o Brasil virar uma página da história. Ressalvou
que não é questão de vendeta, mas que só tem um jeito de o País dar esse passo,
que é fazer com que "a verdade toda emerja e apareça sem nenhum
meio-termo" para que isso nunca mais aconteça.
Portas abertas do governo para a
Comissão Nacional da Verdade
No gabinete da ministra-chefe da
Casa Civil, Gleisi Hoffmann, os pedidos que partem do grupo, instituído
oficialmente por Dilma um ano atrás, em 16 de maio de 2012, são prontamente
analisados. Quando necessário, outros ministérios são convocados a colaborar,
com recursos financeiros, tecnologia e pessoal.
As pastas mais envolvidas nesse
esforço são as de Ciência e Tecnologia, Educação, Relações Exteriores e Defesa.
No conjunto, o número de assessores da comissão passou de 14 para mais de 70 em
um ano. Nos próximos dias a equipe será reforçada por quase uma centena de
analistas de informações contratados pelo MEC.
A Casa Civil também analisa a
possibilidade de estender por mais seis meses o trabalho da comissão, previsto
para terminar em maio de 2014.
A mudança evitaria a divulgação do relatório final às
vésperas da Copa do Mundo e no período da pré-campanha presidencial.
Embora criada por lei no governo
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a comissão é mais identificada com
o mandato de Dilma, militante de esquerda, a quem coube escolher e dar posse a
seus sete integrantes.
A expectativa é de que o grupo
produza o mais aprofundado e contundente relatório já feito sobre a ditadura.
Embora a comissão não seja ligada ao governo e o relatório não possa ser
considerado obra sua, caberia a Dilma divulgá-lo.

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